O Futuro Chegou: Da Profecia de Susskind à Nova Realidade da Advocacia
Como a autonomia do cliente e a tecnologia redesenharam o papel do advogado corporativo.
Em 2008, o mundo jurídico foi confrontado com um título provocador: "The End of Lawyers?" (O Fim dos Advogados?). Na obra, o professor Richard Susskind lançava um alerta que, para muitos, soou como um exercício de futurologia radical: boa parte dos serviços jurídicos tradicionais perderia valor, se tornaria automatizável ou seria assumida por estruturas mais eficientes e inovadoras. A reação geral foi de ceticismo. Afinal, a complexidade e a natureza intelectual da advocacia pareciam imunes a tais disrupções.
Hoje, mais de uma década e meia depois, a profecia de Susskind parece menos uma previsão e mais uma descrição precisa da realidade. Como advogado atuante no direito empresarial desde o ano 2000, testemunhei essa transição não como uma onda distante, mas como a maré que subiu e transformou a paisagem da nossa profissão. A questão nunca foi sobre o fim do advogado, mas sobre o fim de um certo tipo de advogado e, principalmente, sobre o fim da centralidade do escritório de advocacia como o conhecíamos.
O Declínio do Advogado como "Artesão"
Susskind argumentava que o modelo do advogado como um artesão, que cria soluções jurídicas personalizadas e únicas para cada caso, estava se tornando insustentável e inacessível. Naquela época, essa afirmação parecia um ataque à própria essência do nosso trabalho.
O modelo antigo, que vivenciei no início da minha carreira, era centrado na figura do advogado-especialista, detentor de um conhecimento quase místico. O cliente nos procurava, entregava o problema e aguardava a solução, que era construída de forma meticulosa, com alto custo e em um tempo que nós definíamos. O valor estava no trabalho manual, na personalização extrema.
A realidade atual, impulsionada pelas novas exigências do mercado, provou que Susskind estava certo. A advocacia de hoje caminha a passos largos para a padronização e a "produtização" de serviços. Tarefas que antes consumiam dezenas de horas, como a elaboração de contratos padrão, a revisão de políticas de compliance ou a gestão de procurações, hoje são realizadas por plataformas tecnológicas em minutos, com mais precisão e a uma fração do custo.
O Centro de Gravidade Mudou: O Cliente no Comando
A mudança mais profunda, contudo, não foi tecnológica, mas sim de poder. O centro de gravidade da advocacia está se deslocando do escritório em direção ao cliente. Os departamentos jurídicos das empresas, antes meros "tomadores de serviços", evoluíram para se tornarem gestores estratégicos de um complexo ecossistema de soluções.
Essa nova dinâmica é movida por três exigências fundamentais do mundo corporativo:
Previsibilidade de Custos: A era do "cheque em branco" e do faturamento por hora está com os dias contados. Clientes exigem orçamentos fechados, modelos de assinatura e um retorno sobre o investimento (ROI) claro para os serviços jurídicos.
Eficiência e Velocidade: O ritmo dos negócios não espera o tempo do Judiciário ou a lentidão de processos manuais. A integração de tecnologias que aceleram a entrega e a análise de informações não é mais um diferencial, é uma premissa.
Inteligência de Dados: Decisões não são mais tomadas apenas com base na experiência do advogado. Os clientes querem dados, métricas de desempenho (KPIs) e análises preditivas (jurimetria) para embasar suas estratégias, seja em um litígio complexo ou na gestão de um contrato.
Em vez de recorrer exclusivamente a um escritório, o gestor jurídico moderno constrói uma operação sob medida, combinando equipes internas, plataformas de freelancers, softwares com inteligência artificial, consultorias especializadas e, sim, escritórios de advocacia. Nós continuamos relevantes, mas já não somos a única peça do tabuleiro.
A Transformação na Prática: Empresarial, Tributário e Trabalhista
Essa teoria se materializa de forma muito clara em áreas cruciais da advocacia empresarial.
No Direito Empresarial e Tributário:
Antes: A análise de risco em uma fusão ou aquisição (due diligence) envolvia equipes de advogados lendo manualmente milhares de páginas de contratos por semanas. Um parecer tributário era uma peça de opinião, fruto da experiência de um sócio.
Hoje: Softwares de Inteligência Artificial revisam esses mesmos contratos em horas, identificando cláusulas de risco com uma precisão sobre-humana. A jurimetria permite analisar milhares de decisões do CARF ou de tribunais superiores para prever, com alta probabilidade, o sucesso de uma tese tributária antes mesmo de iniciar a disputa.
Na Assessoria Jurídica Trabalhista (Consultiva):
Antes: A atuação era reativa. O advogado era acionado para "apagar incêndios", respondendo a consultas pontuais do RH e atuando fortemente no contencioso.
Hoje: A atuação é proativa e analítica. Plataformas de gestão permitem a criação de dashboards que monitoram o passivo trabalhista em tempo real. Chatbots tiram dúvidas frequentes dos gestores, e a análise de dados ajuda a identificar padrões de risco e a redesenhar políticas internas para evitar a judicialização.
Conclusão: Do Artesão ao Arquiteto de Soluções Jurídicas
A profecia de Susskind não era um decreto sobre o fim da nossa profissão, mas um convite à sua reinvenção. O mercado não precisa mais (e não quer mais pagar) pelo advogado "artesão" para todas as suas demandas. O valor não está mais na execução de tarefas repetitivas ou na exclusividade do conhecimento.
O papel do advogado moderno, especialmente o corporativo, é o de um arquiteto de soluções jurídicas. Um estrategista que compreende profundamente o negócio do cliente e sabe desenhar a melhor estrutura para resolver um problema, orquestrando as mais diversas ferramentas: sua própria expertise para questões complexas, a tecnologia para ganho de escala e eficiência, e outros parceiros para tarefas específicas.
A adaptação deixou de ser uma opção; é a condição fundamental para a nossa relevância. Para nós, advogados, o desafio é abraçar a tecnologia e os novos modelos de negócio como aliados. E para os clientes, a mensagem é clara: o futuro da advocacia já chegou. Saibam exigir essa nova postura de seus parceiros jurídicos.
Paulo Roberto dos Santos Junior
Advogado especializado em Direito Empresarial - OAB/MT 17.265
Este artigo foi elaborado com a colaboração da inteligência artificial Gemini para a revisão e estruturação do conteúdo, sob a curadoria e autoria final do signatário.