Reforma Tributária e o Setor Imobiliário: Novos Custos, Créditos e Desafios Regulatórios
Por Paulo Roberto dos Santos Junior
Introdução
A Reforma Tributária brasileira, com a iminente implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), representa uma das mais significativas transformações no sistema tributário nacional. Embora o objetivo primordial seja a simplificação e a desburocratização, essa mudança traz consigo uma série de novos custos, créditos e desafios regulatórios que impactarão profundamente o setor imobiliário, afetando tanto pessoas físicas quanto jurídicas envolvidas na locação e venda de imóveis [1, 2]. Este artigo visa desmistificar as principais alterações, oferecendo uma análise detalhada de seus potenciais efeitos e orientações para a adaptação.
O IVA Dual: IBS e CBS no Contexto Imobiliário
O IVA (Imposto sobre Valor Agregado) é um modelo de tributação amplamente adotado em economias desenvolvidas, caracterizado pela não cumulatividade. Sua essência reside na incidência do imposto apenas sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia produtiva, o que evita a bitributação e promove maior transparência fiscal [1].No Brasil, a Reforma Tributária optou pela modalidade IVA Dual, que se materializa em dois tributos distintos:•CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços): De competência federal, este tributo substituirá o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Sua alíquota de referência foi estabelecida em 8,8% [1].•IBS (Imposto sobre Bens e Serviços): De competência estadual e municipal, o IBS tomará o lugar do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e do ISS (Imposto Sobre Serviços). A alíquota padrão do IBS é de 17,7% [1].A alíquota total do IVA brasileiro, resultante da soma do IBS e da CBS, é estimada entre 26,5% e 28%. Este patamar, considerado um dos mais elevados globalmente, será implementado de forma gradual, com um período de transição que se estenderá de 2026 a 2033, visando a adaptação progressiva do sistema e dos contribuintes [1].
Impactos para Pessoas Físicas na Locação de Imóveis
A partir de 2026, as pessoas físicas que auferem renda de aluguéis enfrentarão um novo cenário tributário. A locação de imóveis, que tradicionalmente era tributada exclusivamente pelo Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), passará a ser sujeita também ao IBS e à CBS, conforme as disposições da Lei Complementar nº 214/2025 [2].O recolhimento do IBS e da CBS será compulsório para pessoas físicas que preencherem cumulativamente dois critérios:1.Possuir mais de três imóveis alugados.2.Obter receita bruta anual superior a R$ 240 mil proveniente de locações [2].É crucial notar que, mesmo que o locador ultrapasse esses limites em até 20% dentro do mesmo exercício fiscal, a nova tributação será aplicada. Essa medida impacta diretamente pequenos investidores e famílias que dependem da renda de aluguéis como complemento financeiro ou principal fonte de sustento [2].Para mitigar os efeitos desse acréscimo tributário, a legislação prevê mecanismos de redução:•Redução de 70% na base de cálculo do IBS e da CBS para operações de locação, arrendamento ou cessão onerosa de imóveis residenciais [2].•Redutor social de R$ 600 por imóvel residencial, aplicado diretamente sobre a base de cálculo [2].
Exemplos Práticos de Cálculo para Pessoas Físicas
Para ilustrar o impacto, consideremos um locador pessoa física que atende aos critérios de tributação do IBS/CBS. Supondo uma alíquota efetiva combinada de 8,4% (considerando a redução de 70% na base de cálculo da alíquota nominal de 28% para locação residencial) [2]:•Cenário 1: Aluguel Mensal de R$ 5.000,00 (Residencial)•Base de Cálculo Reduzida: R$ 5.000,00 - (70% de R$ 5.000,00) = R$ 1.500,00•Após Redutor Social: R$ 1.500,00 - R$ 600,00 = R$ 900,00•IBS/CBS Devido: 8,4% de R$ 900,00 = R$ 75,60•Observação: Este valor se soma ao IRPF devido sobre a renda do aluguel.•Cenário 2: Aluguel Mensal de R$ 10.000,00 (Residencial)•Base de Cálculo Reduzida: R$ 10.000,00 - (70% de R$ 10.000,00) = R$ 3.000,00•Após Redutor Social: R$ 3.000,00 - R$ 600,00 = R$ 2.400,00•IBS/CBS Devido: 8,4% de R$ 2.400,00 = R$ 201,60
Impactos para Pessoas Jurídicas na Locação de Imóveis
Para as pessoas jurídicas que atuam na locação de imóveis próprios, a Reforma Tributária também sinaliza um aumento substancial na carga tributária. Atualmente, empresas que alugam imóveis pagam cerca de 3,65% sobre o valor da locação, referente ao PIS e COFINS no regime cumulativo. Com as novas regras, a carga tributária efetiva pode mais que duplicar, atingindo aproximadamente 8,4%, considerando a redução da base de cálculo para locações residenciais [3].Um aspecto que merece atenção especial é a locação por temporada (contratos com duração máxima de 90 dias). Para essas operações, a legislação as equipara a serviços de hospedagem, o que resulta em uma redução de apenas 40% na base de cálculo, em contraste com os 70% aplicáveis às locações residenciais de longo prazo. Consequentemente, a carga tributária efetiva será mais elevada para imóveis destinados a aluguéis de curta duração, incluindo aqueles disponibilizados em plataformas como Airbnb e Booking [2].
Exemplos Práticos de Cálculo para Pessoas Jurídicas
Consideremos uma pessoa jurídica que aluga imóveis, com uma alíquota efetiva combinada de 8,4% para locação residencial e 16,8% para locação por temporada (considerando a redução de 40% na base de cálculo da alíquota nominal de 28%) [2, 3]:•Cenário 1: Aluguel Mensal de R$ 10.000,00 (Residencial)•Base de Cálculo Reduzida: R$ 10.000,00 - (70% de R$ 10.000,00) = R$ 3.000,00•IBS/CBS Devido: 8,4% de R$ 3.000,00 = R$ 252,00•Cenário 2: Aluguel Mensal de R$ 10.000,00 (Temporada)•Base de Cálculo Reduzida: R$ 10.000,00 - (40% de R$ 10.000,00) = R$ 6.000,00•IBS/CBS Devido: 16,8% de R$ 6.000,00 = R$ 1.008,00
Venda de Imóveis: Novas Regras
A alienação onerosa de imóveis também será reconfigurada pela Reforma Tributária, passando a ser tributada por IBS e CBS. A legislação estabelece uma redução de 50% na base de cálculo para essas operações. É importante salientar que esse novo encargo se somará ao ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis) e ao Imposto de Renda sobre ganho de capital, que permanecerão vigentes [2].Um ponto de destaque refere-se aos imóveis adquiridos até 31 de dezembro de 2026. Para esses bens, o cálculo poderá considerar o menor valor entre o custo de aquisição atualizado pelo IPCA e o valor de referência oficial, configurando uma janela de oportunidade para proprietários. Contudo, para compras realizadas a partir de 2027, as regras serão menos vantajosas, o que sublinha a importância de um planejamento patrimonial antecipado [2].
Estratégias de Planejamento e Adaptação
Diante das mudanças propostas pela Reforma Tributária, é imperativo que pessoas físicas e jurídicas do setor imobiliário adotem estratégias de planejamento e adaptação. Algumas ações recomendadas incluem:•Revisão e Reestruturação de Contratos: Avaliar os contratos de locação e venda existentes e futuros para incorporar as novas disposições tributárias. Cláusulas de reajuste e responsabilidade pelo pagamento dos tributos devem ser cuidadosamente analisadas.•Análise de Viabilidade de Holdings Patrimoniais: A estruturação por meio de uma holding patrimonial pode emergir como uma estratégia eficaz para otimizar a carga tributária sobre aluguéis e proteger o patrimônio. É fundamental realizar um estudo de viabilidade detalhado, considerando os custos de constituição e manutenção versus os benefícios fiscais no novo cenário [3].•Antecipação de Aquisições e Alienações: Para imóveis adquiridos até 31 de dezembro de 2026, há um benefício no cálculo do valor de referência para a tributação. Isso pode incentivar a antecipação de aquisições para aproveitar essa janela de oportunidade. Da mesma forma, a alienação de imóveis pode ser planejada considerando o impacto das novas regras.•Gestão de Créditos Tributários: Com a não cumulatividade do IVA, a gestão eficiente dos créditos de IBS e CBS será crucial para reduzir a carga tributária efetiva. É essencial que as empresas e, em alguns casos, as pessoas físicas, organizem seus registros para aproveitar ao máximo os créditos gerados nas etapas anteriores da cadeia.•Atualização Contábil e Fiscal: Manter-se atualizado sobre a regulamentação da Reforma Tributária e ajustar os sistemas contábeis e fiscais para garantir a conformidade com as novas obrigações acessórias e de recolhimento.
Análise de Riscos e Oportunidades
A Reforma Tributária, embora complexa, apresenta tanto riscos quanto oportunidades para o setor imobiliário:
Riscos
•Aumento da Carga Tributária: O principal risco é o aumento da carga tributária efetiva, especialmente para locadores pessoa física que se enquadram nos critérios e para pessoas jurídicas, o que pode impactar a rentabilidade dos investimentos imobiliários.•Complexidade na Transição: O período de transição (2026-2033), com a coexistência de sistemas antigos e novos, pode gerar incertezas e dificuldades na apuração e recolhimento dos tributos.•Impacto nos Preços: O aumento dos custos tributários pode ser repassado para os preços de venda e aluguel dos imóveis, afetando a demanda e o poder de compra.•Não Conformidade: A falta de adaptação às novas regras pode resultar em autuações e penalidades fiscais.
Oportunidades
•Simplificação a Longo Prazo: Após o período de transição, espera-se que o sistema tributário se torne mais simples e transparente, reduzindo a burocracia e os custos administrativos a longo prazo.•Otimização Tributária: A não cumulatividade do IVA permite a recuperação de créditos, o que pode ser uma oportunidade para empresas otimizarem sua gestão tributária e reduzirem o custo efetivo dos tributos.•Planejamento Estratégico: A necessidade de adaptação impulsiona o planejamento estratégico, incentivando a busca por estruturas mais eficientes, como as holdings patrimoniais, e a revisão de modelos de negócio.•Janela de Benefícios: A regra para imóveis adquiridos até 31 de dezembro de 2026 oferece uma oportunidade para proprietários e investidores que se anteciparem.
Conclusão
A Reforma Tributária representa uma mudança estrutural e complexa no sistema tributário brasileiro, com impactos inegáveis e significativos para o setor imobiliário. A introdução do IVA dual (IBS e CBS) e as novas regras para locação e venda de imóveis exigirão uma profunda adaptação e um planejamento estratégico por parte de pessoas físicas e jurídicas. A compreensão aprofundada das alíquotas, dos redutores aplicáveis e dos períodos de transição é crucial para mitigar riscos, otimizar a gestão tributária e garantir a conformidade neste novo e desafiador cenário. Recomenda-se buscar assessoria jurídica e contábil especializada para navegar com segurança por essas transformações e transformar desafios em oportunidades.

Referências
[1] Tax Group. Reforma Tributária: guia completo sobre IVA, IBS, CBS e IS. Disponível em: https://www.taxgroup.com.br/intelligence/reforma-tributaria-guia-completo-sobre-iva-ibs-cbs-e-is/[2] Contábeis. Aluguéis terão nova tributação com a Reforma Tributária. Disponível em: https://www.contabeis.com.br/noticias/72466/alugueis-terao-nova-tributacao-com-a-reforma-tributaria/[3] Ultra Adm. Locação por Pessoa Jurídica – Reforma Tributária de 2026. Disponível em: https://www.ultra.adm.br/wp/locacao-por-pessoa-juridica-reforma-tributaria-de-2026/